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Aquele pedaço que não está satisfeito

Aquele pedaço que não está satisfeito

terça, 29 de março de 2016
Categoria: noticia

Uma vez escutei de um professor que quando o bolor atinge um
pedaço do pão, não adianta jogar apenas aquele pedaço fora, porque o pão
inteiro está embolorado. é preciso olhar em volta, para o ambiente em que o
bolor foi criado: está úmido demais? quente demais? E o que fazer com aquele
pedaço que, mesmo depois de retirado o bolor, não nos mata a fome? Assim também
é na vida. O que vamos fazer com aquele pedaço que não está satisfeito? Há
quanto tempo não levamos nossos projetos, pirações e desejos engavetados pra
tomar um vento na cara? é preciso parar e abrir as janelas das possibilidades,
‘porque pão é igual gente: se não respira, endurece’.

Temos tanto dentro de nós, tanto dentro dessa cápsula
chamada corpo, mente, alma, coração. Sonhamos coisas incríveis, planejamos
algumas… mas o que estamos fazendo que não realizamos nossos sonhos?

O mundo é tão grande, por que não começamos a viajar? A vida
é tão curta, por que nos privamos da felicidade? Os momentos são tão rápidos,
por que nos ocupamos tanto do facebook?

O sonho é viajar pelo sudeste asiático por 6 meses, mas “não
posso, não tenho dinheiro”. O sonho é largar a profissão atual e mudar de
carreira, mas “não posso largar um emprego desses”. O sonho é mudar de cidade,
mas “não posso deixar tudo o que construí”.

Realizar sonhos significa mudar. Não literalmente de casa,
de cidade ou de país. Mas de postura, de posição subjetiva. O empecilho maior é
o medo de sair do lugar (internamente, por vezes) em que estamos, que, trocando
em miúdos, seria o famoso “se arriscar”. Escutei, dias atrás, que as raízes de
uma planta estão onde ela é colocada. Basta que a planta as crie para que
depois possa ser retirada e re-plantada em outro lugar. Portanto, não se trata
de “perder” raízes. Raízes não se perdem. Raízes se transformam. Raízes se re-fazem.
Ainda assim, por algum motivo misterioso (e que, no fundo acaba sendo óbvio),
temos medo de arrancar – e arriscar – nossas raízes do lugar comum e
re-plantá-las em outro lugar. O que nos impede de realizar nossos sonhos? Qual
é o empurrão que nos falta para saltar?

às vezes, nos sentimos sem forças. Costumo relacionar isso à
rotina, de qualquer natureza. às ruas da cidade, que parecem sempre as mesmas,
à falta de arte em nossos dias (música, teatro, dança, poesia), ao ‘fazer
sempre a mesma coisa e sempre do mesmo jeito’. Quero escrever meus
monólogos e me apresentar em praça pública. Quero recitar meus versos pelas
ruas. Quero escrever músicas. Quero cantar. Quero mais tempo para ler e
escrever meus livros.

Não realizamos essas coisas por falta de vontade, preguiça
ou medo? Quase sempre a resposta é a última opção.

Mas sempre surgem desculpas. “às vezes eu só preciso de uma
nova casa, de um novo amor, de uma nova empreitada”, “até que não é tão ruim
assim”. “Até que”? Desconfio de respostas que começam assim. Como o aviso da
mãe, que já antecede o fim, quase posso escutar da minha própria consciência:
“isso vai acabar em choro”.

Decidi encarar o problema de frente, de toda essa
insatisfação, com coisas que parecem miúdas, quando ouvi “Wish you were here”
no último final de semana, assistindo ao show do David Gilmour, sentada na
poltrona da sala com a boca escancarada cheia de dentes esperando a morte
chegar. Mas não. Eu estava viva. E a tradução da música escrita na tela da TV foi como um tiro no peito:

Eles fizeram você trocar

Os seus heróis por fantasmas?

Cinzas quentes por árvores?

O ar quente por uma brisa fria?

O conforto do frio por mudanças?

Você trocou

Um papel de figurante na guerra

Por um papel principal numa cela?

(…)

Nós somos apenas duas almas perdidas

Nadando num aquário

Ano após ano

Papel principal numa cela? Figurante numa guerra? Qual é o
meu papel? Contra quem é essa guerra? Com quem estou lutando? Contra o quê
resisto?

Em mim se fez uma abertura. Uma abertura entre o que eu
achei que fosse inquestionável e a mudança total. Uma abertura que se mostrou
como um bicho de goiaba, deixando um furo no meio da fruta. Bastou uma
pergunta, e lancei mão de todas as certezas que tinha. “Hoje, finalmente, eu
não sei”, como escreveu o maravilhoso Paulo Leminski.

Me abri ao abismo das questões, e como já sabia, ainda não
tenho a(s) resposta(s). Em todo caso, em terra de quem estuda e trabalha com a
psicanálise, uma questão é rei. Enquanto isso, sigo construindo playlists
entituladas ‘inspiração para realizações de sonhos” com músicas do estilo
de “Changes” e “All the young dudes”, do David Bowie; e suportando a cratera
que se fez quando me permiti re-pensar a vida.